Vitrola errada.

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Estou cheia. Cheia de coisas - na cabeça, nos pés, nas costas, nas mãos. Meu quarto agora é um universo paralelo de tão distante da sociedade como está. Não vejo o outro universo há alguns dias.
E mesmo estando toda cheia de mim e dessas tralhas que só bagunçam minha vida, ainda, sutilmente, percorro com os olhos o destino das gotículas de chuva na janela até desaparecerem. Elas juntam-se com outras gotas, aquelas que as ajudarão a passar mais facilmente por aquele caminho. Quando uma encontra o destino do parapeito e se transforma na partícula de nada na poça d'agua, há sempre outras gotas a percorrerem linhas.
Esse meu novo jeito de ver as coisas me irrita. Antes, via sutileza na cadeia de fumaça saindo do cigarro semi-aceso parado em seu cinzeiro contra a luz, percorrendo o ar, rodopiando e desaparecendo de encontro a parede. Agora, penso com verocidade que um segundo a mais e o cigarro no cinzeiro vai estar se desfazendo sem eu ao menos ter aproveitado um trago, enquanto o mundo atrás de minha janela é tão cinza quanto o daqui de dentro - do quarto e de mim mesma.
O disco que nunca para de tocar vai de Jimmy à Janis, Jimmy à Janis, e nunca para, nunca para, nunca para, para, vai. Essas baladinhas dos anos 60 me agradavam muito mais quando amava o cheiro de café, ao invés da necessidade de engoli-lo em três segundos.
Mas então, o disco que nunca para de tocar, pára.
Tudo em meu universo pára junto.
A fumaça do cigarro para de subir, o tabaco para de queimar, a bebida deixa de ser alcóolica, a chuva lá fora para de cair, a temperatura não é mais tão fria, o meu mundo deixa de ser paralelo e aquela costumeira batida oca em meu peito desaparece.
O disco pára, trava, destrava, e recomeça.
Agora com bossa nova.
Não me garanto mais. Um pedaço de minha mente pergunta como diabos uma bossa foi parar em um disco JimmyJanis, a outra responde que estou alucinando novamente, e uma terceira concorda que tudo isso poderia ser uma horrível falha no sistema operacional, e eu só consigo entender que tudo isso é loucura demais.
Eu sei eu sei eu sei eu sei eu sei - estive repitindo isso para mim mesma faz um tempo, mas agora falo para você -, tudo isso já está muito confuso. Não sei como cheguei até aqui, nem até ali, nem como acendi o último cigarro do maço que agora está no chão junto com os outros maços, nem o porquê de ter aceso ele. A única coisa que sei é que, de uma forma ou de qualquer outra, no meio da loucura dos cigarros, das gotas de chuva, da bossa não esperada e das vozes, eu decidi sonhar.
E foi bem assim.
Tudo tinha um tom azulado, tudo era claro, tudo era luz. Haviam janelas altas e estreitas, mas em grande quantidade, com cortinas de um branco tão claro quanto o brilho da mais polida pérola. O piso era de madeira clara, meio bege, com um toque de envelhecido sutil. O clarão no horizonte aparentava abrigar um infinito oceano. No quarto, apenas um banquinho segurando minha vitrola, uma pilha de livros ao lado, alguns discos jogados perto dali e plena paz. Havia um casal, também. Ambos vestiam roupas leves e claras. Os cabelos da garota eram castanhos claro que contrastavam muito bem com sua saia branca rodada. O garoto era alto e esguio, com uma camisa branca que nem aparentava tocar sua pele.
Só sei que ambos dançavam no meio dessa sala, banhada da luz de um final de tarde de verão, rodeada de janelas abertas recebendo o vento forte. Dançavam em câmera lenta, posição de valsa relaxada, apenas curtindo o extase eterno daquela bossa gravada em estúdio acústico, cheia de falhas, álcool e muito amor na vida. Tinha algo naquela dança que me incomodava profundamente. Só não sabia dizer se era a calma de ambos, a sincronia, a paz, o afeto ou por ser o sonho mais improvável que já tive.
Enquanto toda a visão montou-se em minha mente, um pouco depois de ter dito "ação!" ou dado play, mesmo sem ninguém ter sussurrado um "corta!" e dado brutamente o stop, o sonho foi dolorosamente despedindo-se de mim. O cinza de meu mundo corroeu a luz azulada, a vitrola voltou a tocar um blues demasiado em cigarros, lágrimas e dor, no horizonte que antes abrigava o oceano, choveu, e o casal de repente pareceu ficar em preto e branco. Encarar esse final para o casal não foi tão ruim, porque afinal, aquele sonho era bom.
E aqui estavam as paredes desbotadas, a visão cinzenta, o cigarro queimando, o álcool acabando, o disco em sua última faixa que talvez nunca tenha sido uma bossa.
Suspirei, amassei o que restava do cigarro, acendi outro e fui trocar o disco, porque ter sonhado por tão pouco tempo fora a melhor aventura em meses de apostas nas corridas das gotas na janela.

Dor Compacta.

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Já não tenho mais palavras.
Vou até a varanda e é lá que fico. Olho pro nada repleto de coisas à minha frente. O nada olha para mim – suspira, passa os dedos nos cabelos, abaixa os olhos e torna a me encarar apenas para sussurrar que não deveria olhar para ele. Não como esse pedaço vazio tão perdido em uma tarde de verão. Ele permite que eu veja tudo ao seu redor, o sol poente, as nuvens escuras que nunca chegarão até onde estou. De repente, em meio de meus devaneios, o nada pára de olhar para mim, certo da minha não-atenção em sua presença. Mas o tudo à minha volta continua sendo o nada, intacto.
Imito os gestos sutis do nada. Meu suspiro parece mais um sopro forçado, deboche. Meus dedos sujos de terra e poeira em meus cabelos oleosos me trazem repulsa. Olhos abaixados só enxergam minhas mãos, absolutamente nenhuma vivência e tantas marcas ali. Antes de imaginar como minhas mãos ficariam quando chegasse ao clímax da sabedoria constante de viver, pensei que, talvez, eu já teria nascido velha, mas sem memórias. Uma velha sem memória, por algum acaso, significa algo?
E isso me levou a pensar no tempo.
Eu tenho uma definição de tempo.
Quinta feira, em torno de cinco horas da tarde de um outono indefinido, bolsa nos ombros, fones nos ouvidos. Seu cabelo está mais longo do que o normal e mais escuro. Até aparenta estar mais alta. Tem menos maquiagem ao redor dos olhos. Sua atenção está em guitarras e notas mais altas do que ela mesma pode alcançar e, por uma benção, apenas ela pode desfrutar de tal poder. Olha para os lados com uma atenção pela metade, só quando vai atravessar as ruas, e até nesse pequeno ato deixa a cargo do destino. E é lá que ela vê. Olhos antigos com tal cor que não esquecemos. Mesma altura, mesmo peso talvez. Mesmo cabelo bagunçado e mesmas bochechas rosadas. Só basta um olhar, um único sorriso, e tudo volta. A saudade e toda aquela bobagem. Um podia estar indo, o outro vindo. Ou os dois indo, os dois vindo. Estão na contramão. Um “oi” é desnecessário nesses momentos, os olhos dizem tudo. Não há ressentimento, dor, frustração. Há saudade de um tempo que a cor dos olhos e a textura dos cabelos era mais do que saber – era aproveitar.
Isso é o tempo.
É se livrar de mágoas, criar maturidade, parar de martirizar-se por algo que já passou e não será mudado. Pegar tais sentimentos antigos e colocar em caixas, trancá-las e amarra-las dentro de sua mente até que juntem poeira.
Andei ouvindo que a dor era inevitável, mas que o sofrimento era opcional. Nada mal, não? Estraçalhar o maldito sofrimento, fingir seu melhor sorriso e conviver com a dor. Ampara-la. Chorar, muitas vezes, mas só se preciso. Saber lidar com ela. Oferecer-lhe uma xícara de chá em uma tarde solitária onde apenas ela e seus pensamentos fazem-te companhia. Nada como uma mente humana e seus sentimentos moldáveis, mutáveis, deformáveis. Porque uma hora, ela acaba desaparecendo, sabe? A dor acomoda-se. A pedrinha no sapato, que antes provocara tanto incômodo, esfarela-se. Nos deixa, finalmente, em paz.
Protejo a idéia de que, se algum dia, alguém for destrancar essas tais caixas, tirar a poeira, dar um brilho e abri-las, tudo pode voltar. Sentimentos nunca são esquecidos, mas guardados em caixas de dor compactada.



N/A: Escrevi esse texto há meses, mas por algum mistério, ele se perdeu no emaranhado de textos espalhados pelo meu computador. Achei-o e me impressionei de tamanha lucidez. Ou talvez bipolariedade? Algo a se pensar. O melhor de ler textos antigos não é apenas ver como a escrita aprimora-se ou até muda completamente, e sim ver como sua mente trabalhava antigamente.

Livro - Looking for Alaska

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Há algum tempo, li um quote sobre esse livro, e a única coisa que conseguia pensar era sobre o próprio.

"I wanted so badly to lie down next to her in the couch, to wrap my arms around her and sleep. Not fuck, like in those movies. Not even have sex. Just sleep together, in the most innocent sense of the phrase. But I lacked the courage and she had a boyfriend and I was gawky and she was gorgeous and I was hopelessly boring and she was endlessly fascinating. So I walked back to my room and collapsed on the bottom bunk, thinking that if people were rain, I was drizzle, and she was hurricane."

A tradução é algo como:

"Eu queria tanto deitar ao lado dela no colchão, colocar meus braços em volta dela e dormir. Não foder, como naqueles filmes. Nem ao menos fazer sexo. Apenas dormir junto, no sentido mais inocente da frase. Mas faltou a coragem e ela tinha um namorado e eu era desajeitado e ela era maravilhosa e eu era esperançosamente entediante e ela era infinitamente fascinante. Então eu andei de volta ao meu quarto e desabei na cama de baixo (se trata de uma beliche), pensando que se as pessoas fossem chuva, eu seria um chuvisco, e ela seria um furacão."

Enfim, o livro de John Green, considerado como o Apanhador no Campo de Centeio da atualidade, não tem nenhuma tradução brasileira. Em sites comuns se acha edições em inglês.
Uma amiga, tão fascinada pelo quote quanto eu, comprou o livro pelo e-bay e me emprestou.

A história se trata de Miles, um total perdedor que é mandado para Culver Creek, um colégio interno. Lá ele conhece e se apaixona por Alaska Young, uma completa... desorientada impulsiva bitch linda.

Digamos que o livro vai além desse simples trecho. É tanta coisa boa junta que você fica perdida. Tantos pensamentos lindos e estranhos que mexem com você. No final você para, olha ao seu redor, os seus amigos, a sua vida, ali, bem diante de você, e pensa em tudo de uma forma diferente.

Não posso negar que demorei para caramba para terminar, sendo que não é grande. Recomendo. Para quem quer treinar o inglês, é ótimo. Agora, para quem não se dá bem com inglês... Ou me ignore ou reze para sair uma tradução oficial.

Nova ambição

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Um Moleskine. Já está mais do que na hora de organizar todas as minhas idéias em um único livro, ao invés de 100 cadernos espalhados.


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EDIT: Andando pela cidade, me deparo com nada mais, nada menos, que a cópia idêntica de Moleskines. Tilibra, de um jeito estranho, copiou a caderneta em todos os detalhes. Quando eu digo todos, são todos mesmo.
O bom é o preço: mais barato. Comprei até duas. Agora é só se inspirar. (ou não)

Esperar.

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Eu esperava algo.
É claro, todo mundo espera por algo. Mas eu era movida pela esperança. Uma esperança que criava lembranças, inventava sonhos e fazia-me viver em um mundo repleto de ilusões, de impossibilidades.
Estava tudo acabado, o que era óbvio. Mesmo assim, minha mente guardava os cacos caídos, cortava-se fundo, deixava-se sangrar. Pegava um pedaço de lembrança, revirava-o e achava, no meio de tantas rachaduras, uma fagulha de esperança. Uma vírgula a menos, um olhar a mais.
Continuava acabado.
E mesmo queimando as cartas, rasgando as fotos, parando de cantar as músicas, não escrevendo e ocupando-me, cada vez mais, sempre estivera lá. Antes do sono pregar minhas pálpebras, antes de minha mente descansar, formulava intensas cenas reais, como em uma peça de teatro tão bem escrita que era real. Simulava conversas, brigas, discussões, reconciliações. Reorganizava as estruturas para o que poderia ter ocorrido, o que poderia ter sido falado, mas nunca chegou a ser.
Continuava a doer, incessantemente, também.
Antes de tudo, fora alertada a não esperar absolutamente nada. Falar apenas o necessário. Não ficar muito perto. Fui alertada igualmente de nem ao menos vê-lo. Mas eu precisava. Algo – a esperança, minha mente, meu coração, eu por inteira, tanto faz – precisava saciar meus olhos cheios de memorizações e cenas decoradas. Ver se, com o passar do tempo, esquecera algum detalhe importantíssimo de sua pele, ou da tonalidade de seus olhos, uma curva a menos em seus lábios.
Além de tudo isso, eu continuava a esperar tantas coisas quando te vi. Esperava tanto a ser dito, tudo a ser citado, mesmo com o raciocínio explodindo em minha garganta para dizer o que eu e – esperava – você, também, não queria ouvir.
- Vou embora.
Eu esperava por seus olhos tornarem-se angustiados. Queria sentir em minhas veias a dor em seu olhar, a aflição contida ali com a surpresa de minha presença e da insana novidade. Mas o que vi foram seus olhos negros, pálidos, inflexíveis, encarando-me com dúvida. Entendi que, de tanto lutar contra a esperança vaga e sem sentido, recusei-me de ver tão simples verdade naquele momento, como o sentimento transbordando de seus olhos e os incríveis detalhes de sua face. Recusava-me as fagulhas de esperança. Não as aceitaria nunca mais.
Por tal motivo considerei seu olhar impenetrável como deboche, e não como arrependimento. Mas dentro de mim, em um canto tão oculto quanto meus pensamentos insanos, lia sua expressão sem medo da esperança, muito menos com medo de esperar por algo.
- Você...
Desviei meu olhar do seu. Estava pesando prós e contras para restabelecer as regras de minha sanidade depois daquele encontro, pois era o último. Mesmo assim, antes que falasse qualquer coisa fazendo-me mudar de idéia, tinha decidido que ignoraria qualquer sinal. Tudo isso foi antes de perguntar-me:
- Por quê?
E ao olhá-lo, minha pele vibrou com tamanha agonia e peso em seu temível olhar. Meu corpo inteiro pulsou em correr até você e abraça-lo, dizendo para esquecer tudo aquilo. Mais uma vez, recusei tudo que ele mais queria. Permaneci-me tão congelada quanto estivera em minha chegada. Engoli a imensa bola que se formara em minha garganta e não deixei uma mísera lágrima cair.
- Eu não consigo mais.
Se essas palavras foram cortantes até para mim, em sua expressão, foram como navalhas simultâneas.
Você, então, abaixou seu olhar e procurou concentrar-se em algo no chão, primeiramente, para depois procurar nas paredes, nas mãos, nas roupas, nos meus sapatos, nas minhas roupas, e por fim, em meus olhos.
Naquele momento, meu corpo, com total controle próprio, deu um passo em sua direção, assim como você o fez. Não tinha mais controle de mim mesma. E continuou a dar passos e mais passos, assim como você, até ficar tão perto de seu corpo que um arrepio desceu por toda minha espinha.
Não nos encostamos. Não nos olhávamos nos olhos mais. Quando levantamos o olhar juntos, havia tanta dor ali, tantas palavras a serem ditas, tantos textos a serem recitados, tantas cenas para serem ensaiadas e atuadas. Tudo aquilo dançava em meus olhos e nos seus, como se soubesse daquilo.
Eu esperava algo. E talvez esse algo fossem as palavras, os textos, as cenas, os toques. Esperava que me dissesse o porquê de estar acabado, o que tinha acabado realmente, ou até o que tinha começado, afinal? Esperava saber o que tinha sentido por mim desde o início, as mentiras e as verdades não contadas, talvez até as suas cenas.
E, ainda mais, eu esperava que, tudo que você esperasse, fosse o que eu esperava desde o princípio.
Seus olhos encheram de água enquanto os meus cegavam-me com uma nuvem. Sua cabeça pareceu ir para frente, e eu juraria que ficamos a menos de um único milímetro de distância.
Mesmo com tudo aquilo entalado – em meus pensamentos, em meus pulmões e em minha garganta –, afastei-me, contendo-me. Sussurrei a verdade que eu não queria ouvir e segui até porta, revelando minhas muralhas de bloqueio – uma última palavra, um último toque, uma última esperança sua.
Dali em diante, recusei qualquer mínimo indício de ilusão em minha mente, reconfortando-me com a idéia de ter esperado demais e ter valido a pena. Você correu até a porta, agarrou-me os braços e não me deixou partir, nunca mais. Começou o que tínhamos acabado sem nenhum motivo.
E no fundo, eu sempre soube que, de algum jeito, eu criara tantas cenas que não sabia mais separar o acontecido do imaginado.
Eu realmente queria ter me despedido.

Então.

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Resolvi dar um up no blog. O problema principal era o template, que acaba de ser solucionado. O segundo problema são os posts anteriores: antigos, incrivelmente babacas e sem sentido. Apaguei os piores. O meu maior medo é alguém ler os posts e tipo, cair no conceito. Tão engraçado pensar que já escrevi tanta idiotice junta e ainda tive a CORAGEM de colocar na Internet. O que diabos eu tinha na cabeça?
Agora, com menos vergonha e mais senso, vou tentar postar algo que preste com mais frequência.
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E de repente surpreendo-me com as mesmas vontades e pensamentos de um ano atrás.

Isso não é nada bom.

E de repente

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Me lembro de quando eu ficava tão próxima de ti que seu cheiro grudava em mim, fazendo-me lembrar pelo resto do dia o quanto eu era sortuda em chamar-te de meu.

Mas passou, e toda vez que sinto sua fragância jogada no ar, lembro daquele tempo. Daquele lá, que passou e eu nem percebi.



Os tempos andam difíceis. Dizem que mudei de 5 meses para cá. Talvez sejam meus olhos marejados, o cabelo mais comprido, os quilos perdidos, o buraco no meu peito e minha auto-estima no chão: o total e completo contrário de 5 meses atrás.

Já uso normalmente o Tumblr para desabafar, mas acho que vou voltar a escrever aqui. Afinal, ninguém lê.