Esperar.

Eu esperava algo.
É claro, todo mundo espera por algo. Mas eu era movida pela esperança. Uma esperança que criava lembranças, inventava sonhos e fazia-me viver em um mundo repleto de ilusões, de impossibilidades.
Estava tudo acabado, o que era óbvio. Mesmo assim, minha mente guardava os cacos caídos, cortava-se fundo, deixava-se sangrar. Pegava um pedaço de lembrança, revirava-o e achava, no meio de tantas rachaduras, uma fagulha de esperança. Uma vírgula a menos, um olhar a mais.
Continuava acabado.
E mesmo queimando as cartas, rasgando as fotos, parando de cantar as músicas, não escrevendo e ocupando-me, cada vez mais, sempre estivera lá. Antes do sono pregar minhas pálpebras, antes de minha mente descansar, formulava intensas cenas reais, como em uma peça de teatro tão bem escrita que era real. Simulava conversas, brigas, discussões, reconciliações. Reorganizava as estruturas para o que poderia ter ocorrido, o que poderia ter sido falado, mas nunca chegou a ser.
Continuava a doer, incessantemente, também.
Antes de tudo, fora alertada a não esperar absolutamente nada. Falar apenas o necessário. Não ficar muito perto. Fui alertada igualmente de nem ao menos vê-lo. Mas eu precisava. Algo – a esperança, minha mente, meu coração, eu por inteira, tanto faz – precisava saciar meus olhos cheios de memorizações e cenas decoradas. Ver se, com o passar do tempo, esquecera algum detalhe importantíssimo de sua pele, ou da tonalidade de seus olhos, uma curva a menos em seus lábios.
Além de tudo isso, eu continuava a esperar tantas coisas quando te vi. Esperava tanto a ser dito, tudo a ser citado, mesmo com o raciocínio explodindo em minha garganta para dizer o que eu e – esperava – você, também, não queria ouvir.
- Vou embora.
Eu esperava por seus olhos tornarem-se angustiados. Queria sentir em minhas veias a dor em seu olhar, a aflição contida ali com a surpresa de minha presença e da insana novidade. Mas o que vi foram seus olhos negros, pálidos, inflexíveis, encarando-me com dúvida. Entendi que, de tanto lutar contra a esperança vaga e sem sentido, recusei-me de ver tão simples verdade naquele momento, como o sentimento transbordando de seus olhos e os incríveis detalhes de sua face. Recusava-me as fagulhas de esperança. Não as aceitaria nunca mais.
Por tal motivo considerei seu olhar impenetrável como deboche, e não como arrependimento. Mas dentro de mim, em um canto tão oculto quanto meus pensamentos insanos, lia sua expressão sem medo da esperança, muito menos com medo de esperar por algo.
- Você...
Desviei meu olhar do seu. Estava pesando prós e contras para restabelecer as regras de minha sanidade depois daquele encontro, pois era o último. Mesmo assim, antes que falasse qualquer coisa fazendo-me mudar de idéia, tinha decidido que ignoraria qualquer sinal. Tudo isso foi antes de perguntar-me:
- Por quê?
E ao olhá-lo, minha pele vibrou com tamanha agonia e peso em seu temível olhar. Meu corpo inteiro pulsou em correr até você e abraça-lo, dizendo para esquecer tudo aquilo. Mais uma vez, recusei tudo que ele mais queria. Permaneci-me tão congelada quanto estivera em minha chegada. Engoli a imensa bola que se formara em minha garganta e não deixei uma mísera lágrima cair.
- Eu não consigo mais.
Se essas palavras foram cortantes até para mim, em sua expressão, foram como navalhas simultâneas.
Você, então, abaixou seu olhar e procurou concentrar-se em algo no chão, primeiramente, para depois procurar nas paredes, nas mãos, nas roupas, nos meus sapatos, nas minhas roupas, e por fim, em meus olhos.
Naquele momento, meu corpo, com total controle próprio, deu um passo em sua direção, assim como você o fez. Não tinha mais controle de mim mesma. E continuou a dar passos e mais passos, assim como você, até ficar tão perto de seu corpo que um arrepio desceu por toda minha espinha.
Não nos encostamos. Não nos olhávamos nos olhos mais. Quando levantamos o olhar juntos, havia tanta dor ali, tantas palavras a serem ditas, tantos textos a serem recitados, tantas cenas para serem ensaiadas e atuadas. Tudo aquilo dançava em meus olhos e nos seus, como se soubesse daquilo.
Eu esperava algo. E talvez esse algo fossem as palavras, os textos, as cenas, os toques. Esperava que me dissesse o porquê de estar acabado, o que tinha acabado realmente, ou até o que tinha começado, afinal? Esperava saber o que tinha sentido por mim desde o início, as mentiras e as verdades não contadas, talvez até as suas cenas.
E, ainda mais, eu esperava que, tudo que você esperasse, fosse o que eu esperava desde o princípio.
Seus olhos encheram de água enquanto os meus cegavam-me com uma nuvem. Sua cabeça pareceu ir para frente, e eu juraria que ficamos a menos de um único milímetro de distância.
Mesmo com tudo aquilo entalado – em meus pensamentos, em meus pulmões e em minha garganta –, afastei-me, contendo-me. Sussurrei a verdade que eu não queria ouvir e segui até porta, revelando minhas muralhas de bloqueio – uma última palavra, um último toque, uma última esperança sua.
Dali em diante, recusei qualquer mínimo indício de ilusão em minha mente, reconfortando-me com a idéia de ter esperado demais e ter valido a pena. Você correu até a porta, agarrou-me os braços e não me deixou partir, nunca mais. Começou o que tínhamos acabado sem nenhum motivo.
E no fundo, eu sempre soube que, de algum jeito, eu criara tantas cenas que não sabia mais separar o acontecido do imaginado.
Eu realmente queria ter me despedido.

2 comentários :: Esperar.

  1. nemli.
    mardeletras.

  2. amay, adoro teu jeito de escrever tia *-*'

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